A PINDAÍBA E A POLÍTICA CULTURAL DO ESTADO
Financiamento Público, Liberdade de Criação e Posicionamento Político

Como será financiada? Esta é uma das questões mais complicadas para uma revista editada por amadores (entenda-se, cuja finalidade não é o lucro e a subsistência daqueles que a editam).
Haverá anunciantes? O espaço será vendido para qualquer marca, ou somente para um grupo selecionado a partir da proposta editorial, ou mesmo de acordo com a faixa de leitores que se imagina que ela vai ter? Será vendida ou gratuita? Participará de editais públicos e leis de renúncia fiscal? (Para todas essas perguntas, e outras mais, independente de qualquer coisa, a priori tudo vai se orientar pelo conteúdo da revista, pelo que se é publicado em suas páginas, pelas idéias e propostas apresentadas)
Sobre essas indagações, no entanto, vou me ater somente à última, ou seja, sobre a relação que propõem o título dessas tão carentes de estilo. Dentro das minhas limitações intelectuais e teóricas, as quais, não me qualificam para um debate, digamos, que exceda as beiradas da superfície, e se o faço é porque lanço mão à minha vivência desses últimos sete anos envolvido com essa malfadada revista e, sobretudo, pelo que tenho lido, escutado e observado durante todos esses anos e que no recente espetáculo das urnas se tornou chororô nacional, familiar e doméstico, o que me credencia, de certa forma, já que se tratando de superficialidade, o coro geral surfava em histéricas ondas de olhos esbugalhados e gargantas ressequidas, me aventuro a expor minha opinião sobre essa pendenga e aproveito para trazer a púbico, dos nossos acalorados encontros, esse debate, já que vira e mexe ele vem a baia novamente.
Fruto de muitas discussões, tanto entre nós editores, quanto com autores, colaboradores e leitores, desde seu início e ratificado coletivamente na ocasião do primeiro edital de cultura da Prefeitura, atual gestão, em 2007, ainda FUNCET, a posição da revista com relação à política cultural de Estado, nas esferas municipal, estadual e federal, seja diretamente a partir das Secretarias e Ministério de Cultura ou através de Empresas estatais e privadas, é de não participar. Em um encontro onde estiveram presentes editores e autores da primeira edição e outros que viriam fazer parte da edição nº11, foi decidido não participar do edital citado e de nenhum outro que se seguisse aquele. Achamos que a PINDAÍBA deveria ser editada, financiada e distribuída de forma totalmente independente. Seria nosso desafio, a opção do mais difícil, a escolha do caminho mais estreito e acidentado. “Porque é chato chegar a um objetivo num instante”. “Faça você mesmo”. O que iria nos mover e nos unir no mesmo objetivo seriam as dificuldades, o desafio de realizar algo por nossa própria conta. Além disso, seria nossa revista, publicaríamos nossos textos: sujos, alcoolizados, letras narcotizadas, com cheiro de sexo praticado entre restos de peixe podre, textos famintos, mal escritos (não todos, só os melhores), sem maquiagens e silicones vernáculos, poderíamos ousar um discurso na contramão, criticar e falar mal de quem quiséssemos, xingar e ficar “PUTO”, sem os limites e a submissão exigida pelos regulamentos políticos dos diversos editais de produção cultural. Então, subtende-se, que os que fazem a revista PINDAÍBA são contra a participação em editais? É isso? Respondendo a pergunta, sim e não. Permitam-me explicar: Sim, somos contra a participação da revista em editais, pelos motivos já expostos. Porém, como não poderia ser diferente, nenhum dos que fazem parte está impedido de participar com projetos individuais e mesmo com iniciativas coletivas. Por exemplo, no mesmo edital da FUNCET, ao qual fomos contra a participação da revista, fomos contemplados com um projeto de coletânea de contos de autores cearenses (encontos & desencontos), no qual estão presentes autores já consagrados, como José Alcides Pinto e Pedro Salgueiro, entre outros, e autores iniciantes, inclusive, todos os que estão nas páginas das duas edições da revista. Confuso? Pode parecer, no entanto, repito, essa postura é fruto de um longo período de discussão, não raras vezes com os ânimos bastante exaltados. Entendemos que em um país de profunda desigualdade social, no qual a grande maioria da população não tem acesso à cultura e uma educação de qualidade, é obrigação do Estado o seu financiamento, não somente com a merreca que é atualmente destinado ao setor, mas massivamente. Isso não é favor, é dever. É justo que os que pagam impostos nesse país, os trabalhadores, é claro, sejam restituídos, digamos, com uma porcentagem dessa grana voltada para o fazer e o acesso à cultura e arte. Portanto, apesar das profundas divergências e críticas ao atual governo e sua continuidade, que extrapolam a questão discutida*, achamos que também temos o direito como qualquer outro brasileiro a concorrer a um farelo dessa merreca, assim como qualquer brasileiro tem o direito de concorrer a um concurso publico, independente de suas convicções políticas. É lógico que não vamos abrir mão de uma fatia do bolo, seria ingenuidade, imprudência, além do mais, inócuo, tal postura não resultaria em nada que houvesse conseqüências. Dito isso, a meu ver chego agora ao cerne da questão. Vamos a ele no parágrafo seguinte.
O fato de concorrer a um edital, concurso público, ou fazer uso de grana governamental, qualquer que seja ela, não quer dizer em hipótese alguma concordar ou fazer o elogio do governo que a estar concedendo. Não há contradição alguma em tal prática. Absurdo é pensar o contrário: achar que o fato do seu projeto estar sendo financiado por um determinado governo é motivo suficiente para comprar seu silêncio ou mesmo a concordância e elogio do programa e prioridades de tal governo. A avaliação séria de um programa de governo estar muito além do contentamento pessoal. Pensar de tal forma é continuar servo do coronel, que lhe provem o sustento, moradia e proteção, em troca de sua obediência e fidelidade cega. Nos parágrafos iniciais fiz referência às últimas eleições, pois bem, vislumbrando uma possível vitória do vampiro Serra e uma volta da corja do PSDB ao poder, grande parte da intelectualidade do país, sobretudo a academia, tirou o esparadrapo da boca, quebrou o silêncio sarcofisial, e se lançou em uma aguerrida militância em prol da candidatura Dilma Rousseff. Tudo bem até aí, todos tem o direito de manifestar publicamente sua preferência partidária e política, contudo, o que me levou a chamar de superficial, e não posso evitar o termo, deveras mesquinho, foram os argumentos. Entendo e até acho louvável quando um bóia fria, ou qualquer trabalhador desempregado, diz que vai votar na candidata do lula porque ele criou o bolsa família a qual recebe mensalmente, porque no contexto de suas limitações impostas socialmente, consegue diferenciar a candidatura de um ex-operário, mesmo sendo um operário pelego há longo tempo, da candidatura do representante direto dos patrões, agora, me deixa nauseado escutar de um criador de idéias, daqueles que estão mais municiados de conhecimento, dos quais se esperam uma critica constante dos atos e pensamentos de qualquer sociedade e conseqüentemente de seus governos, dos nossos professores, difusores e facilitadores do saber, frases do tipo: “Vou votar na Dilma porque sem ela os editas vão acabar”; “Voto na Dilma porque foi por causa do Lula que houve esse concurso pelo qual eu passei e agora estou trabalhando”; “Voto na Dilma porque o Lula criou o REUNI e PRÓUNI que possibilitaram a expansão da Universidade e o acesso á formação universitária”. (Sobre esse ponto: É mais conveniente e fácil não ultrapassar esse discurso do que denunciar que a Universidade sucateada do jeito que estava, qualquer reforma mínima seria vista como uma dádiva e que ao satisfazer a ganância desenfreada dos barões do ensino através do PROUNI, milhões são deixados de ser aplicados nessa expansão de tartaruga, além de oficializar o ensino como mercadoria). Bem, senhores e senhoras, acho que um salário (Oxalá eu não me arrependa de afirmar isso) ou a manutenção de um padrão de vida não sejam suficientes para o contentamento precoce, para o ingresso no desfile catatônico dos rebanhos, a obesidade do pensamento, a esclerose da vontade, a dor nos ossos das bandeiras e sonhos até há pouco defendidos com tanto afinco e paixão. Há muito do que reclamar. Não nos esqueçamos de ficar PUTO.
Não cabe aqui, não era o objetivo, fazer uma análise do governo do PT, outrora de frente popular e hoje constituído como opção válida da burguesia. Talvez em outra ocasião. Também, não pretendíamos julgar o voto de ninguém, muito menos condenar quem votou na Dilma, ou fazer apologia do voto nulo ou boicote das eleições. A idéia era apresentar, segundo minha avaliação, a relação da PINDAÍBA e seus participantes com as políticas culturais. Ao citar situações e fazer alusões a situações e acontecimentos, foi com a intenção de exemplificar, contrapor para apresentar e explicar um ponto de vista e uma postura.
Deixo aqui a tribuna à disposição. Essa folha está livre para qualquer outro ponto de vista, para qualquer comentário, para os que concordam, os que concordam mais ou menos, os que concordam e discordam e sobretudo para os que discordam totalmente. Só não me venham defender o PSDB, porque, sem medo do apedrejamento, para esses tipos impomos a censura em nossas páginas.

André Dias

*Para não fugir totalmente do debate, vou enunciar somente uma, que é crucial a meu ver: 1ª – Abordar a política cultural somente como mero gerador de emprego e mercado. Achamos que cultura e educação é antes de mais nada projetos de desenvolvimento humano, nos quais o indivíduo, possa através do acesso e produção da arte, desenvolver suas potencialidades de percepção, físicas, emocionais, psíquicas e espirituais. Que possibilite a identificação com a problemática e sublimação do outro e principalmente seja autor de seu deslumbramento com o mistério da vida e de sua própria existência. Pensar a respeito de cultura qualquer coisa menos que essas pretensões é não lhe dar o devido “valor”, é uma castração do próprio homem, ou ainda, uma punheta, e mal batida.