O APRENDIZ DE BRUXO (continuação)
palimpsestos
disformes e heráldicas rasgadas
o silêncio
deforma a palavra
e a erva devora
as pedras do claustro
o monge exibe
suas pérolas, o caminho de sua aprendizagem
caminhando sobre
os lagos arcaicos de Tenochtitlán
soterrados pela
larva dos vulcões e pela fúria dos conquistadores
comendo a chuva
com as mãos
enrolando tacos
com a fome
escrevendo
versos com amor
revivendo
paixões renascidas nas feridas dos descalços pés do velho chico
atravessando as
nuvens onde são geradas as sementes
onde
brotam as angústias e os desejos
onde
medita o Buda espreitando o asfalto
por todos os
lados sinto o aroma deixado pelo aprendiz de bruxo
escorregando
pelos azulejos da casa da condessa
pendurado como
um morcego no palácio das artes belas
farejando os
mosquitos que vêem com o verão
meu corpo uiva à
lua cheia e grávida de amor
meu canto singra
a obscura demência travestida desses palhaços com olhos de estrelas
minha vida se
refaz em cada raio de sol que me chega
em cada ave que
arriba em direção às áfricas de nossa terra
meu sangue ferve
quando penso que respiro o mesmo ar
que um dia
respiraram os profetas
num passe de
mágica a centopéia se transforma em borboleta
e a borboleta se
metamorfoseia em candelabro
e o aprendiz em
bruxo sábio e minha boca em esplêndido canteiro de horta
onde florescem
os amores e se dissipam os segredos os medos e os terrores
meus cabelos
viram serpentes que sopram flautas mágicas
eu e minha
princesa varremos o mundo e seguimos nossos destinos
lambendo o fogo
fátuo e recusando os mitos pré-fabricados
parindo rosas no
deserto onde semearam pólvora
rastreando a
beleza que os bruxos deixaram pelo caminho
comendo salpicão
de frango como se todos os dias fossem domingos
como se todas as cidades fossem parques & jardins
como se insultos
& más-palavras fossem nossos melhores aliados
a guerra segue
sem trégua e a história não passa de uma estúpida contorcionista
rodopiando no
mesmo lugar
o retrato de
minha vó nos espia da estante entre os livros usados
seu sorriso
apunhala os sebos da calle donceles
e de sua boca
escapa um sertão gigantesco onde pululam maravilhosos alebrijes
e os animais
fantásticos daquele outro aprendiz de bruxo
com seu
escancarado sorriso de dentes de ouro
exalando
pirarucu e cachaça
santidade
santidade santidade
destroçando os
véus egípcios e exibindo a pureza da gazela
o harém onde as
abelhas tecem o mel